Feira Preta 2011 - 10 Anos

Feira Preta 2011 - 10 Anos
Trabalhos de Sergio Soarez by fotógrafo Davi Sidney

Textos


Padê Construtivo - uma influência de Exu nas artes.


Dedico este texto ao meu amigo, irmão, mestre e, por muitas vezes, meu mecenas cultural Carlos José de Almeida Santana, pelo companheirismo e afeto mútuo com que temos trilhados juntos nossos caminhos ( com a permissão de Exu) .

Quinze caras lá fora diversos calibres
Eu apenas com uma treze automática

Sou eu mesmo e eu

Meu Deus e meu Orixá.

Homem na Estrada.
Racionais MC’s.

A busca incansável do belo nos leva a pensar nas inúmeras possibilidades de nos confrontarmos com o inusitado, o desconhecido, o não usual. Por mais que a nossa referência do belo esteja ligada diretamente a um senso comum, a um pensamento comum. Nós iremos sempre procurar o incomum, instintivamente.
O artista é aquele que tem por obrigação trazer à tona o novo, o impensável, a nova técnica, o novo estilo, uma releitura ou algo que se reconheça como autêntico e original, mesmo que sua criação não esteja dentro dos padrões de beleza desejados pelo mercado das artes. Porém, para se obter essa tão desejada autenticidade é necessário estudar as formas, as cores, as texturas, os suportes, os volumes, as palavras... Seja lá qual for o suporte utilizado pelo criador-artista.
O título e canção “Homem na Estrada” dos Racionais MC’s, acima citado, nos revela um diálogo ancestral entre o insight do artista negro e sua criação em si, algo que transcende o estado físico das obras, o falar por uma boca que não é somente nossa, o esculpir com mãos que não são somente nossas, o escrever, o pensar, o agir, enfim em tudo há uma boca ancestral inconsciente que permite nos expressar através das várias linguagens artísticas. Os mais velhos no Candomblé costumam usar o ditado:
“Atrás da gente tem gente”
E é essa “gente” que atua no plano metafísico ( o Orun ) como agente direto da nossa criação mesmo que inconscientemente, saibamos que o grande responsável por essa equação: artista + ancestralidade = arte identitária é o Exu, o tradutor dos anseios e aspirações do povo negro. Haja vista que Exu é o grande interlocutor ancestral da África Negra e da diáspora, com suas múltiplas nomenclaturas Nzila, Elégbára, Eleguá ou Bará.
Podemos perceber claramente a presença de Exu na criação de vários artistas afro-descendentes. Mesmo nas obras dos artistas negros que não trabalham diretamente com a temática racial ou espiritual, Exu está presente, em forma de movimento e um movimento interno antes de se tornar ação direta do criador em contato com a matéria eleita para sua criação.
O movimento do pensamento está diretamente ligado ao Bará, o exu responsável por todos os nossos atos, conhecido como Exú do corpo. Se toda ação passa pela permissividade desta entidade, cabe-me aqui afirmar que toda criação artística de um ser negro passa, indiscutivelmente, por Exu. Ele é uma é uma herança ancestral e não material.
Se a criação artística é um ato de irreverência questionadora essencialmente solitária, por mais que o artista esteja rodeado de pessoas, a inspiração é uma comunicação direta e particular entre Exu + Orixá + Indivíduo, surgindo aí a trindade criadora. O Indivíduo (a matéria), o Orixá dono do ôri (cabeça) da matéria e Exu senhor da vida, e de todos os movimentos existentes e presentes na matéria, como define muito bem  Santos:

Olódùmarè criou Exú como um ébora todo especial de maneira tal que ele deve existir com tudo e residir com cada pessoa. Em virtude de suas competências e poder de realização, de sua inteligência e natureza dinâmica, o Exú de cada um deverá dirigir todos os seus caminhos na vida. (SANTOS, 1986, p. 132)
Mesmo sabendo que o processo de concepção e criação de cada artista afro-descendente é diferente um do outro e que essa distinção está inteiramente ligada às técnicas e aos suportes escolhidos na materialização de cada obra, haverá sempre algo que os unem: a ancestralidade. O inconsciente-coletivo-ancestral-negro. Esse é o código de ação comum que nos une. Há um cordão umbilical com uma África-Mãe pulsante na memória criativa de filhos dispersos na forçada diáspora, pois além dos traços faciais e biotipos semelhantes com grupos étnicos africanos, a ancestralidade religiosa sem duvida nenhuma é a nossa maior referência e elo com a matriz - conexão espiritual tão bem externada por Haley no seu livro Raízes.
 Nesse sentido, a vivência religiosa no Candomblé, é um elemento que nos serve como instrumento norteador capaz de detectar a presença de traços ancestrais conscientes e inconscientes na arte de figuras como Negrizu e Jorge Vatuzi com suas danças performáticas improvisadas. Eles interagiam com os espaços e públicos presentes, criações instantâneas jamais apresentadas da mesma forma em outros momentos. Peças únicas repletas de simbolismo e autenticidade embelezavam os encontros políticos e culturais na cidade de Salvador, nos fins dos anos oitenta e início dos anos noventa e Exu era a principal energia reverenciada nessas intervenções.
A construção de uma identidade artística negra é o resultado de várias ações criadoras isoladas, que terminam influenciando uns aos outros indiretamente, como se estivessem todos na mesma freqüência vibratória, contagiados e lambuzados pela língua-falo de Exu. Ações como a criação das estampas do vestuário do bloco carnavalesco Ilê Ayiê pelo artista J. Cunha, que trabalha com cores que são, não só as cores do bloco-afro do Curuzu, mas também a representação cromática dos caminhos ancestrais de Exu: o amarelo, o vermelho, o preto, e o branco, matizes  simbolizadoras, dos quatros pontos cardeais do universo por onde Exu transita: ìyo – õrun ( o nascente) ìwò – õrun ( o ponte) òtún – àiyé ( a direita do mundo) òsí – àiyé ( a esquerda do mundo). É a constatação da influência positiva de Exú na construção de uma identidade artística afro-brasileira. Vale ressaltar o mérito do artista J. Cunha que desenvolveu um estilo original a ponto de influenciar outros artistas de blocos afros como Olodum, Muzenza, Malê Debale e outros fora de Salvador, como é o caso do bloco afro Agbará Dudú do Rio de Janeiro.
Diante da vastidão de referências artísticas  abordada neste breve texto sobre Exu e as artes, somente resta dar uma pincelada em alguns pontos considerados  importantes para serem mencionados. A relação que os artistas negros tem com o universo cromático está essencialmente ligada ao aspecto religioso ancestral. Note-se, por exemplo, a utilização de cores primárias nas obras de mestres experimentados, como é o caso do pintor e escultor baiano Rubem Valentim,com sua arte referendada nos utensílios do Candomblé: Oxés, (machados de xangó) tridentes, círculos e lanças. Símbolos usados pelo artista com perfeita sintonia entre o volume e a cor correspondente de cada forma, desenvolvendo uma estética afro-baiana singular, alicerçada na sua vivência empírica:
 Garoto ainda, meu pai me levava ao candomblé da Tia Maci no engenho Velho. Meu pai também freqüentava o candomblé da Mãe Menininha do Gantois. Ela era muito moça. Tinha também o candomblé do Bate Folha, do Júlio Branco, que meu pai ia muito. Tinha o candomblé misto, uma parte de caboclo e uma outra de Orixá, uma parte de nagô-jêje e uma parte caboclo. Esse era o candomblé da Sabina. Eu ia lá muito. Via aquilo tudo que me impressionava profundamente. Todo aquele contexto complexo, eu comecei a indagar, a estudar. Minha experiência, minha arte vem do meu lado místico religioso (Valentim in ARAÚJO. 2001)
Fica evidente depois do relato dado por Valentim que não há como dissociar o lado material do espiritual. No caso de um artista afro descendente como Rubem que teve um contato todo especial com o Candomblé, a relação  se acentua, mesmo sem o artista ser um iniciado (feito). O elo entre Exú + Orixá + Indivíduo se torna mais forte pelo simples fato de ter ido, assistido e se alimentado física e espiritualmente da liturgia dos espaços afro-sagrados.
Com isso não está afirmando-se que o artista negro cria suas obras no eterno estado de inconsciência criativa, mas que o indivíduo na sua lida com as múltiplas ferramentas no exercício da sua arte, fica momentaneamente sensitivo e receptivo a ponto de distanciar-se do estado real, beirando a inconsciência numa espécie      de semi-transe meio acordado, meio dormindo, como dizem o povo do Candomblé. É justamente nesse estágio que acontece a comunicação entre a TRINDADE CRIADORA, surgindo desse estado ambíguo-criativo as obras sem títulos. Criação que o artista não se sente a vontade de intitular, demonstrando um receio de nomear algo que não passou unicamente pela sua racionalidade, uma vez que o comportamento corriqueiro do ser ciente da sua total racionalidade é dar nome a todas as coisas. Essas obras são encantadoras e nos chamam atenção, pelo seu aspectos mágico e sublime; e nos impulsionando a tocá-las, a querer adquiri-las, não só pela assinatura de um autor renomado que as criou, mas também pela fulgurante e inusitada beleza presente na obra de artistas anônimos ou consagrados.  É o belo original que nós provoca e encanta.
A ancestralidade africana é a mais significativa referência de unidade, quando se trata de fatos  religiosos  no contexto tão diverso da diáspora. Alguns aspectos comuns entre determinados Nkissi, Vodun e Orixá se responsabilizam por atestar algumas semelhanças complexas existentes entre cada uma dessas energias divinizadas conhecidas, mesmo superficialmente. Assim como Exu, acima citado com múltiplas denominações, outras entidades aparecem representadas e cultuadas por vários povos fora de África, como é o caso do Orixá Xangô (entidade Yorubana, também cultuada na Bahia e outros pontos do país), que tem alguns pontos semelhantes com Sobó (entidade de origem fon/jejé), Sangó (energia cultuada na santeria em Cuba) e Zazi (a mesma energia na concepção bantu), concebida, compreendida, tratada e invocada, cada uma dentro da sua especificidade étnico-cultural, onde a língua, a dança, a indumentária, a culinária e inúmeros atos sagrados diferem entre uma cultura e outra.
Sendo assim, podemos usar como referencial afro-religioso, a obra do artista negro norte-americano Jean – Michel Basquiat, com suas telas de grande formato, repletas de cores primárias, bastante vermelho, preto e amarelo; cores que compõem o imaginário criativo ancestral de um artista que tinha herança haitiana paterna. Basquiat também pintou várias telas sem títulos - Exu, Egun e Vodu brotam inconscientemente na sua pintura ancestral. A obra de Basquiat é um verdadeiro testemunho de conexão do negro com o seu sagrado latente. Sua arte também revela a necessidade de Basquiat afirmar-se como Obá (rei), com o hábito incansável de pintar uma coroa de três pontas na maioria dos seus trabalhos, como se estivesse reivindicando o reconhecimento da sua majestade. Seria Jean – Michel Basquiat filho de Xangô-Menino? Sua pintura veemente como ‘fogo’ - elemento fundamental de Xangô - representado cromaticamente pelo vermelho primário, reincidente nas suas criações, Basquiat se comportava como um Êre diante das suas tintas na sua balbúrdia criativa.
(...) E em sua própria forma de criação, frenética como seu modo de viver, se encontra outra marca de suas origens, que ele soube transfigurar em expressão artística: como no Vodu, vive desenha e pinta em estado de transe, investido por sua força criadora, possuído por sua arte. Assim Basquiat revela o poder da ancestralidade que percorre como um frêmito sua obra. ( ... )”. (ARAÚJO, 1998)
Podemos perceber, na citação acima, que a influência ancestral na obra Basquiat é muito evidente; que se torna difícil não mencionar a conexão plástico-religiosa em trabalhos de artistas como: Basquiat, Rubem Valentim e do próprio artista plástico, escultor, gravador e curador Emanoel Araújo. Nelas esta influencia mística é indissociável, é um “algo a mais” que lhes acompanha nas suas trajetórias como seres humanos. Diante dessas evidências me cabe um ligeiro questionamento: por que Araújo mencionou as palavras “transe e ancestralidade” no seu texto de apresentação da exposição de Jean - Michel Basquiat realizada na Pinacoteca de São Paulo? Teria sido um mero recurso vocabular? Ou foram escritas aleatoriamente como fazem certos “intelectuais vaidosos” – na expressão de Ariano Suassuna?          
Não! Emanoel fala do lugar de quem vive, lugar muitas vezes transitado por ele através da sua arte. Assim como os demais criadores aqui citados, o múltiplo artista negro da cidade de Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo baiano, sabe perfeitamente a carga histórica, espiritual e simbólica dessas expressões. O que para muitos críticos de arte pode se assemelhar com borrões espalhados em uma tela de forma aleatória, sem nenhuma relação consciente, ou muito menos inconsciente com a ancestralidade no trabalho de Basquiat é, para Araújo, a comprovação de uma identidade religiosa explícita. Até porque a arte de Araújo comunga com a mesma freqüência vibratória da qual estamos falando, uma obra ancorada no sagrado negro. As suas esculturas e relevos bicolores (preto & vermelho) vão além da referência (e reverência) cromática ancestral presente em Exu, o mensageiro, especialmente Exú Lonã, o dono dos caminhos. Os relevos e esculturas abstratas construtivas de Emanoel se assemelham a estradas entrecortadas umas pelas outras, formando verdadeiros caminhos plásticos-visuais. Como um “ padê ” escultórico, composto por volumes, cores e relevos em duas ou três dimensões. Emanoel Araújo, como um legítimo filho de Ogum, visita seu irmão ancestral mais velho de modo sutil e não convencional. As suas esculturas pontiagudas lembram tridentes estilizados.
Para concluir as minhas fugazes pinceladas sobre o complexo tema “Exu nas Artes”, não poderia deixar de citar alguns artistas empíricos que morreram sem mesmo saber que faziam arte, e se sabiam, não tinham a real dimensão da amplitude das suas criações. Autores anônimos de uma arte vivenciada. Autênticos criadores da ARTE IMATERIAL do povo negro, registrada nas nossas memórias. Pessoas como o Ogã Jorge, Alabê do terreiro da Casa Branca na Vasco da Gama, que para mim foi o melhor tocador de rum que conheci. Afamado pelas suas variações e maestria com que tocava para os Orixás. Ou ainda Mestre Waldemar, conhecido capoeirista do antigo bairro do “Corta Braço”, hoje com o nome de Pero Vaz, considerado uma das vozes mais bonitas da capoeira angola do seu tempo. Tive o prazer de vê-lo cantar, quando criança, na companhia de meu pai. Waldemar, o capoeirista-artista, foi quem primeiro pintou o berimbau, dando ao instrumento aspecto de obra de arte. Este mestre foi citado por Waldeloir Rego no livro “Capoeira Angola - ensaio sócio-etnográfio”: Waldemar da Paixão, como bom capoeirista antigo, a sua fama corre paralela à de Mestre Bimba. O seu repertório de cantigas é algo notório na cidade...”. Entre muitos outros quero homenagear ainda os mestres Pastinha e Traíra, verdadeiros Exus do movimento corporal, e a Mãe Gaiaku Luiza pela sabedoria e beleza com que dançava e cantava para os Voduns.

Laróyè !
vinte e um dias de folia
vinte e um veleiros espalhados na baía
vinte e uma noites sem teus sonhos
vis-te em vinte e uma miragens, com o cabelo repleto de folhagens
no vigésimo primeiro instante
cacei, capturei vinte e um elefantes, os mais robustos, os mais gigantes
nas vinte e uma badaladas
voei sobre vinte e uma escadas com você nos meus braços
matei os últimos machos que lhe cortejavam
com vinte e um pelos da minha barba, fiz a chacina completa
pintei vinte e uma borboletas para ornar o teu corpo
vinte um colares de vento para dependurar no teu pescoço
fiz uma jangada com vários pedaços de cana madura
naveguei vinte e um dias atrás de ti nas escuras ondas do oceano
nos meus últimos instantes sobre-humano, criei para ti vinte e uma rosas negras
com o líquido da tua seiva guardada na minha memória
escrevi vinte um livros de histórias onde decifro seu nome
atravessei o Saara com fome
por fim, vim encontrar você, cantando e dançando um Padê
para vinte e um Exus desconhecidos,
com seu lindo vestido branco
fiz–lhe descer dos tamancos e a levei comigo
Laróyè!

Fevereiro/ 2006 Salvador-Ba
Sérgio Soares
Artista plástico e Ilustrador
071- 8852-3828

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
- SANTOS, Juana Elbein – Os Nagô e a Morte, 4ª ed., Petrópolis, Ed. Vozes, 1986
- ARAÚJO, Emanoel (org.) - RUBEM VALENTIM – o artista da luz, São Paulo, Pinacoteca/SP,
- ARAÚJO, Emanoel (org.) – BASQUIAT... São Paulo, Pinacoteca/SP, 1998
- REGO, Waldeloir (org.) – CAPOEIRA ANGOLA – ensaio sócio-etnográfico, Salvador, Ed. Itapuã, 1968.







SAMBA CUNVELSADO


O samba de roda é uma das atividades mais atraentes da cultura popular, pela sua participação e envolvimento do seu povo-criador e criado dessa cultura lúdica-musical por natureza. Como o samba sugere: “Vamos vadiar minha nega / vamos vadiar...”com suas canções que explicitam a necessidade da brincadeira, do brincar cantando e dançando com a participação do outro, o samba de roda é um espaço democrático poe excelência, espaço aberto para o entretenimento e troca, troca de novas cantigas e amizades.
O que rege o samba é a alegria, a disponibilidade para a felicidade mesmo que momentaneamente. O samba é lugar de riso fácil e pé no chão, morada da simplicidade, da construção coletiva dos iguais, da mulher e do homem da roça, das lavadeiras e dos piões da obras. Assim se manteve e se manterá a roda com seus cantadores respeitados. Violeiros e tocadores afinados no recôncavo Baiano.
O samba de roda traz com ele a beleza simples das mulheres do interior, com suas saias rodadas, os pés no chão e sorriso “largo”. Assim são as meninas de Santo Amaro da Purificação, de Cachoeira,de São félix, Suabara, Maracangalha... Lindas todas elas. Mulheres herdeiras da cultura do samba no pé, que desliza com habilidade nos terreiros e salões onde houver um tambor, uma viloa ou pandeiro, instrumentos indispensáveis na orquestra popular do samba.

Levanta a saia mulata / não deixa a saia sujar
a saia custou dinheiro / e dinheiro custou ganhar.”

O samba de roda é “cunvelsado”, como dizem os mais velhos, referendo-se ao dialogo existente na vadiagem das cantigas, na mensagem passada através do samba entendida por todos. O samba a cima sugere, o levantar a saia, a saia-objeto de sedução, de beleza e feminilidade, “arma” feminina usada na conquista, é ao mesmo tempo adereço principal da mulher no samba de roda. É com essa indumentária que a mulher mostra toda a sua sensualidade na roda, é com a sia que as mulheres enxugam os rostos dos tocadores suados pela sua lida com os tambores. E a “cunvelsa” não para por ai, ela tem outros tentáculos espalhados pelo corpo-essência do samba de roda, há diálogos mais sutis, quase imperceptíveis, há olhos pouco atentos, comunicação gestual entre os tocadores e a moça que está no centro da roda, conversa mantida com os tambores, que transmitem a mensage m à mulher ou a o homem, que corresponde com o ritmo que o tambor ( tocador) está pedindo, um passo mais rápido ou mais compassado e assim se segue...

Eu vou mibora / eu vou mibora
quer ir mais eu vamos / quer ir mais eu vumbora”.

A beleza do samba de rosa é algo surpreendente pela sua simplicidade, a forma como as cantigas são criadas pelo próprio povo. São composições descomprometidas com a estética-lingüística-gramatical, mas autêntica e verdadeira na sua essência. Como o sambinha a cima nos revela, sua particularidades ao ser cantado em uma roda de sama; Primeiro, a forma como se pronunciam as palavras no seu cotidiano-retórico, é como se canta, “vombora”... E em segundo, vem a mensagem do samba em si, o convite que o cantador esta fazendo a qualquer pessoa, geralmente esse tipo de convite é feito a uma mulher para ir embora do samba com ele.
O samba de roda tem um único compositor, o POVO. Que cria e repassa sua criação no exercício do próprio samba, na hora, sem uma elaboração prévia. As cantigas surgem na maioria das vezes como um “repente”, feito de improviso, sem nenhuma preocupação em registrar a criação ou até mesmo escrever a letra do samba criado. O registro de um samba dessa natureza fica na memória coletiva dos presentes, que cantarão a samba na primeira oportunidade, sem revelar o nome do autor,nome da obra oi coisas parecida... É assim que um samba de roda surge e passa a ser de domínio público , as pessoas cantam sem saber quem o fez. O linguajar do povo do recôncavo está presente nas cantigas, a forma como se pronunciam as palavras no seu cotidiano rural com algumas exceções , é claro.

Eu via a ema / lá na lagoa
ema tem asa mas não avoa.”