Feira Preta 2011 - 10 Anos

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Trabalhos de Sergio Soarez by fotógrafo Davi Sidney

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Colosso Afro Brasileiro. Matéria Publicada no Jornal A Tarde de 22/12/2010



HISTÓRIA DA ARTE

Nova edição da coleção A Mão Afro-brasileira amplia a influência negra e mestiça na cultura do País, com pesquisa rigorosa e preciosas imagens
“Artista? Podes lá isso ser se tu és da África”, ironizava o poeta negro Cruz e Sousa, no poema em prosa Emparedado, escrito na última década do século 19.

Foi a primeira vez, na poesia brasileira, que uma voz se opôs à opressão do mundo branco, se afirmando como indivíduo crítico e criador.

Ao longo texto, o poeta toca em muitas feridas: “Como pensar em sã consciência que pudessem ter sobrevivido por pouco tempo que fosse, senão fingindo se de brancos, e pintando como brancos pinturas brancas para brancos clientes?”.

Para o organizador do livro A Mão Afro-brasileira, Emanoel Araújo, a ausência de representações de deuses africanos, no período colonial, deveu-se porque essa expressão não era permitida no período.

Mas, a originalidade surge por negros e pardos, libertos ou não, terem produzido grande parte desse patrimônio.Mesmo sendo proibidos de se dedicarem a ofícios tidos como de exclusividade dos brancos, como a ourivesaria.

Aleijadinho, para Araújo, quando fez esculturas “com seus escravos”, estava agregando aos moldes eurocêntricos e cristãos certas questões estéticas africanas. “São sutilezas que tem que se ter boa vontade para ver.O Cristo é branco,avia-sacra é cristã, mas de alguma forma tem que aparecer seu lado negro, a ascendência africana”.

Difícil mercado A publicação, que totaliza 880 páginas, em dois volumes, com muitas fotos, vai desde o barroco e o rococó, passando pelas influências da Academia no século 19, o modernismo, no século 20, até a arte contemporânea, com novos talentos.
Mas, até chegar a nomes como os baianos Sérgio Soares e Naara Nascimento, os paulistas Rosana Paulino e Alex Hornest, ou o mineiro Tiago Gualberto, Araújo constata que, como no passado, os jovens também se ressentem de oportunidades, “espaços alternativos galerias de arte que possam profissionalizálos neste difícil mercadodaarte”.

Seguramente, ele aponta como responsáveis por esse cenário o fim dos salões de arte e a ausência de crítica de arte nos grandes jornais.
Foi num salão, aliás, que Arthur Timótheo da Costa, aos 25 anos, em 1907, ganhou o prêmio de viagem à Europa do Salão Nacional de Belas Artes. Irmão do também artista João Timótheo, as dificuldades levaram no ao hospício, em 1920, interrompendo sua carreira.

Trágico Como mostra JoséRoberto Leite no ensaio Valorosos Pintores Negros do Oitocentos, no 1º volume, as dificuldades para um negro ou mulato que “ousasse aspirar à condição de artista, assumiam invariavelmente dimensão patética ou trágica”.Para Araújo, assim como os artistas do barroco brasileiro, como Aleijadinho, a questão da etnia vem à tona mesmo em obras “encomendadas” a corporações chefiadas formalmente por brancos.

“O artista não é resultado aleatório do nada. Quando alguém se contrói como tal é porque tem dados interiores profundos que têm que vir à tona”, acredita o artista.

Ainda assim, ele destaca que a questão da afro-brasilidade não tem a ver com o que de africano possa haver nos artistas selecionados. “Ninguém está querendo que A MãoAfrobrasileira tenha compromisso antropológico coma África.

Senão, teríamos colocado Mario Cravo, Carybé ou Di Cavalcanti, que se envolveram com essa representação”, argumenta.

Mais que isso. Embora o recorte da exposição e do livro se apoie na questão da cor da pele, não se esgota num fundamentalismo.

“Se sua cor da pele está aliada à questão afro-brasileira, muito bem, se não, a obra está lá, fundamentada pelo sujeito que é pela diferença”.

E a qualidade é a diferença, conforme acredita a crítica e historiadora de arte Aracy Amaral, que assinou na primeira edição o ensaio O Século XX – Arte Moderna e Contemporânea. Pregava que “só uma reviravolta cultural através da conscientização fará retornar ao brasileiro de origem negra o orgulho por suas raízes”.

Décadas Passados 21 anos, Aracy acredita que houve “algum esforço” nesse sentido, como vários movimentos de penalização contra a discriminação que estão vigentes e não existiam, bem como lei que determina ensino de cultura africana nas escolas.

“Mas, entre as tentativas de mudança e o resultado político, ainda vão se passar várias décadas.

A mudança nas autoridades deve se refletir no público, o que dá uma luz sobre o futuro”, analisa Aracy. O certo, segundo ela, é que, em 1988, nos 100 anos da abolição da Escravatura, “quase nada foi feito pela população afro-brasileira”.

Em relação ao trabalho artístico feito por afrodescendentes, a crítica é categórica:“Oque me interessa é se a expressão é boa, depois vêm outras questões.

No Brasil, não existe arte reivindicatória, seja de qual minoria for. O que interessa é que sejam de qualidade”.

E é esse critério que se deixa vernas pinturas e esculturas brasileiras do século 18, a maioria feita por escravos e seus descendentes.

A arte era um recurso pelo meio do qual alguns deles (ao redor do trabalho nos engenhos) ascendiam socialmente, como entalhadores, santeiros e também escultores. Trabalhos como os do Mestre Valentim ou de Chagas, o Cabra, não serão esquecidos.

Até conquistar uma linguagem própria, tais artistas também se alinharam aos modelos eurocêntricos, com influenciada Missão Artística Francesa, no iníciodoséculo19,e a criaçãode escolas de arte. Mais uma vez, a originalidade brasileira se apresenta, como a experiência do escravo Manoel Cunha, que vai para Portugal e quando volta abre uma escola no Rio.

Além dos espaços oficiais das artes visuais,a herançaafro-brasileira também se desdobrou na arte popular, com criações geniais como as carrancas de Francisco Biquiba Guarany, as esculturas de Chico Tabibuia, os exus de Tamba ou as belas peças da Família Julião, entre outros.

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